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terça-feira, 2 de março de 2010

O MOLEQUE - história de um menor do Cenam

Escrita por: Marcelo Uchoa · Aracaju, SE

Do que lembra desde sua infância, sabia não ter pai. Na verdade não lembrava nem o nome dele. Sua mãe nunca comentava nada a respeito. Tonhão, foi como ouviu algumas vezes se referirem a ele.

Sua mãe segurou tudo sozinha. Trabalhava como uma escrava, mas não deixava que o mínimo faltasse. Saía de casa ainda de madrugada, tudo escuro, os lábios roxos pelo frio. Eram assim todos os dias. Não sabia por que, mais sempre acordava na hora em que ela saía e, quieto, dum canto, observava aquela mulher forte, decidida, que o tempo e a vida difícil iam corroendo. Um processo lento em todos nós. O efeito da força da gravidade. Só que ele era testemunha do grau de dificuldade em que viviam e o quanto sua mãe se esforçava para conseguir dinheiro. Esse esforço excessivo, a vinha maltratando, a envelhecia.


Foi assim sua infância e pré-adolescência. Agora ele tem quatorze anos, está concluindo o ensino fundamental, trabalha como boy pela manhã e com o que ganha ajuda nas despesas da casa. Com ele trabalhando sua mãe pôde folgar um pouco e reduzir sua jornada dupla de trabalho. Com isso ela ficou mais tempo em casa. Cuidava de tudo: da arrumação da casa com os poucos móveis que possuíam, do pequeno jardim que ficava na frente e mais parecia uma farmácia, pois todas as plantas, segundo ela, eram medicinais, do quintal e seu chão sempre cheio de folhas.


À noite, sentavam-se na frente da casa a conversar sobre tudo o que lhe viesse na cabeça. Numa dessas noites ela recebeu um gracejo de um rapaz que passava e não mais o tirou da cabeça.


Dias depois, durante a realização da quermesse da igreja do bairro, se conheceram: o rapaz se chamava Artur, tinha vinte e um anos, quatorze mais novos que ela, disse que era pedreiro e estava desempregado no momento. Na mesma noite começaram a namorar.


Ele ficou sabendo do namoro dela dias depois através de comentários maldosos feitos por seus colegas na escola. Não devia ser verdade, pensou. Se ela estivesse namorando me contaria. Ao chegar a casa foi logo falar com ela sobre o assunto. Teve que aceitar o fato. Era verdade sim, ela estava namorando, e o Artur estaria lá naquela noite.


Não gostou muito do que ouviu, mas sua mãe tinha o direito de organizar sua vida, de namorar se era isso que ela queria. Conheceu o Artur naquela noite. Sua mãe, toda carinhosa fez com que os dois apertassem as mãos. Parece um moleque, pensou. Minha mãe bem que podia arranjar alguém mais velho. Não comentou nada. Resolveu sair um pouco e deixar os dois sozinhos em casa.


Duas semanas depois ela lhe disse que o Artur estava sem ter onde morar e que a partir daquele dia, ele moraria lá, com eles. Foi o início do inferno! O cara não fazia nada. Passava o dia fumando e bebendo. Descobriu depois que sua mãe era quem financiava o álcool e o fumo. Tentou conversar com ela. Enfeitiçada, gritou. Queria ser feliz. Será que ele poderia entender isso. Desde o pai dele, ela não tinha ficado com mais ninguém, só trabalhava feito uma louca, dia e noite, para poder criá-lo, vesti-lo e educa-lo, agora chegou à vez dela, queria aproveitar a vida, o mundo, curtir seu namorado.


Ele saiu, no final da conversa, chorando. Não entendia o que acontecia com sua mãe. Será que ela não percebia que o cara só queria se aproveitar dela? Estava na cara, o povo na rua comentava. Aquele lá, não valia nada. Cochichavam estória de envolvimento dele com outras mulheres do bairro, todas mais velhas que ele.


Artur sempre agia do mesmo jeito: lançava um gracejo, era a isca, para se aproximar, depois, com sua lábia, ia aos poucos dominando as mulheres e jogava o golpe do não tenho para onde ir, depois, apossava-se da casa de sua presa e passava os dias bebendo e fumando.


Alguns dias depois, percebeu um hematoma no rosto dela. Perguntada sobre o que aconteceu respondeu que tinha tropeçado e batido com a cabeça. No sábado, depois da pelada, Leo, um amigo de infância, aproximou-se dele e dizendo saber que não tinha nada a ver com isso, com a vida dos outros, mas tinha que contar que o Artur, ontem, havia esbofeteado a mãe dele na rua, todo mundo vendo.


O ódio o cegou. Saiu, literalmente, correndo para casa, precisava saber a verdade. Sua mãe apanhando daquele moleque, na rua, na frente de todo mundo. Não, não era verdade, isso não aconteceu, Leo devia ter inventado essa história. Sua mãe não estava em casa. Artur, também não, só restava esperar.


Enquanto esperava acabou cochilando um pouco no escuro do pequeno quarto da casa. É despertado pelos gritos de sua mãe pedindo, por favor, que o outro não faça aquilo. Ouviu o estalar de uma mão batendo contra alguma coisa. Mais gritos de sua mãe. Rompe a inércia e abandonando o escuro do quarto parte em disparada para o pequeno quintal. Sua mãe está jogada no chão, olhar desfigurado, cabelos desalinhados, o sangue escorrendo-lhe pelo canto da boca. Artur, com um cinturão na mão, investe contra ela sem escolher lugar para bater. Enquanto bate pronuncia as palavras de mais baixo calão e pergunta pelo dinheiro.


O sangue lhe sobe para a cabeça. Sem pensar joga-se sobre Artur e os dois rolam no chão do quintal. Esbofeteiam-se mutuamente enquanto gritam palavrões. Artur, mais forte e mais velho também, leva vantagem no corpo-a-corpo e deixando o outro no chão volta a investir contra a mulher.


Dias antes os três haviam estado naquele quintal a conversar e a rir de coisas banais enquanto descascavam e chupavam cana colhida no próprio quintal. Ao lembrar disso, ele, ali, estirado no chão e sentindo dores, olha para o lado e vê a velha faca de corte da casa, esquecida do dia anterior. Não pensa mais, levanta-se reunindo o que ainda tem de forças e apanhando a faca avança sobre o outro e crava-a na barriga de Artur.
(Texto extraído do site Overmundo.)

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